
1. O que é um “Arame Galvanizado”?
Em sua essência, o Arame Galvanizado é um fio de aço que recebeu um revestimento protetor de Zinco (Zn). O termo “galvanizado” refere-se ao processo de aplicação desse zinco, mais comumente por imersão a quente (hot-dip galvanizing).
O objetivo principal desta camada de zinco é conferir ao arame de aço uma elevada resistência à corrosão. O aço, sendo uma liga primariamente de Ferro (Fe) e Carbono (C), é inerentemente suscetível à oxidação (ferrugem) quando exposto ao oxigênio e à umidade. O zinco atua de duas formas principais para proteger o aço:
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Proteção por Barreira: A camada de zinco isola fisicamente o aço do ambiente corrosivo.
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Proteção Galvânica (ou Sacrificial): Caso a camada de zinco seja danificada (riscada, por exemplo), expondo o aço, o zinco, por ser mais eletronegativo (mais anódico) que o ferro na série galvânica em muitos eletrólitos comuns (como a água da chuva), irá corroer preferencialmente, “sacrificando-se” para proteger o aço subjacente. Esta é uma vantagem crucial sobre revestimentos puramente de barreira, como a pintura.
Além da proteção contra corrosão, a galvanização confere ao arame um acabamento superficial mais brilhante e limpo em comparação ao arame de aço “preto” (sem revestimento).
2. Como é Produzido?
A produção do arame galvanizado é um processo em duas grandes etapas: a fabricação do arame base e a aplicação do revestimento de zinco.
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Etapa 1: Produção do Arame Base (Trefilação)
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Matéria-Prima: O processo começa com o fio-máquina (alambrón), que é um produto siderúrgico obtido por laminação a quente de tarugos de aço. Para arames galvanizados de uso geral, utiliza-se tipicamente aço de baixo carbono (com teores de carbono geralmente entre 0,05% e 0,25%, como SAE 1006, 1008, 1010, 1018), que oferece boa ductilidade e conformabilidade.
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Decapagem: O fio-máquina possui uma camada de óxido (carepa) formada durante a laminação a quente. Esta camada precisa ser removida quimicamente por imersão em tanques de ácido (geralmente ácido clorídrico ou sulfúrico) – processo chamado decapagem. Seguido de lavagem abundante para remover resíduos ácidos.
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Pré-Tratamento para Trefilação: Aplica-se uma camada superficial (fosfato ou cal) para servir como base para o lubrificante de trefilação.
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Trefilação: Este é o processo de redução da seção transversal (diâmetro) do fio-máquina, puxando-o através de uma série de matrizes (fieiras ou trefilas) com furos progressivamente menores. Este processo é feito a frio e causa o encruamento do aço, aumentando sua resistência mecânica (limite de resistência e escoamento) e dureza, mas diminuindo sua ductilidade. Lubrificantes (a seco ou úmidos) são essenciais para reduzir o atrito e o desgaste das fieiras. Dependendo da redução total de área e da maleabilidade final desejada, pode haver etapas de recozimento intermediário (aquecimento controlado para restaurar a ductilidade) entre passes de trefilação.
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Recoziemento Final (se necessário): Para arames que precisam ser muito maleáveis (como arame recozido para amarração antes da galvanização), realiza-se um recozimento final após a trefilação para a bitola desejada.
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Etapa 2: Galvanização (Processo de Imersão a Quente – Hot-Dip Galvanizing)
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Limpeza (Pré-Tratamento Crucial): O arame trefilado (seja encruado ou recozido) precisa estar perfeitamente limpo para garantir a aderência do zinco. A linha de galvanização contínua geralmente inclui:
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Desengraxe: Remoção de óleos e graxas residuais da trefilação.
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Decapagem: Nova imersão em ácido para remover qualquer óxido superficial formado e ativar a superfície do aço.
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Lavagem: Remoção completa do ácido.
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Fluxagem: Imersão em uma solução de fluxo (tipicamente cloreto de zinco e cloreto de amônio). O fluxo remove os últimos traços de óxido, protege a superfície contra reoxidação antes da imersão no zinco e melhora a “molhabilidade” do aço pelo zinco fundido.
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Secagem: O arame passa por uma estufa para secar completamente antes de entrar no banho de zinco (a umidade causaria respingos violentos de zinco fundido).
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Imersão no Zinco Fundido: O arame passa continuamente por um banho de zinco metálico fundido, mantido a uma temperatura em torno de 450-460°C. Durante a imersão, ocorre uma reação metalúrgica entre o zinco e o ferro do aço, formando camadas intermetálicas de liga Ferro-Zinco (camadas Gama, Delta e Zeta, da mais interna para a mais externa) na interface. Sobre estas camadas, deposita-se uma camada externa de zinco quase puro (camada Eta). É a formação dessas camadas de liga que garante a excelente aderência do revestimento galvanizado a quente.
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Controle da Camada: Ao sair do banho, o excesso de zinco é removido e a espessura da camada é controlada. Em linhas modernas de galvanização de arame, isso é feito frequentemente por “wipers” (limpadores) de nitrogênio ou almofadas de material resistente ao calor (carvão, asbesto – embora este último em desuso por questões de saúde).
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Resfriamento: O arame revestido é resfriado ao ar ou em tanques de água.
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Acabamento (Opcional): Pode receber um tratamento de passivação (ex: com soluções à base de cromo, hoje buscando alternativas mais ecológicas) para proteção temporária contra o “white rust” (corrosão branca do zinco) durante armazenamento e transporte.
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Bobinamento: O arame galvanizado final é enrolado em rolos, carretéis ou estocadores, pronto para o cliente.
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Alternativa: Existe também a eletrogalvanização, onde o zinco é depositado eletroliticamente. Este processo geralmente resulta em camadas mais finas, mais uniformes e brilhantes, mas com menor durabilidade em ambientes agressivos e sem as camadas de liga intermetálicas. É menos comum para arames de uso geral que exigem maior proteção.
3. Características que Definem o Arame Galvanizado:
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Resistência à Corrosão: Sua principal característica, conferida pelo zinco. A durabilidade está diretamente relacionada à espessura da camada de zinco.
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Aderência do Revestimento: Excelente no processo a quente devido às camadas de liga Fe-Zn.
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Aparência: Tipicamente cinza brilhante (pode variar com a composição do banho e resfriamento), podendo desenvolver uma pátina cinza fosca com o tempo, que é estável e protetora. Pode apresentar “lantejoulas” (spangles), que são os grãos de zinco solidificado visíveis.
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Maleabilidade/Trabalhabilidade: O arame base mantém boa parte de sua ductilidade (especialmente se for recozido antes ou durante o processo), permitindo ser dobrado, torcido e conformado. A camada de zinco também possui alguma ductilidade.
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Resistência Mecânica: Determinada principalmente pelo grau de encruamento (trefilação) e/ou recozimento do arame base. A camada de zinco contribui muito pouco para a resistência total. Varia desde arames macios (baixo limite de resistência, alta ductilidade) até arames duros (alto limite de resistência, menor ductilidade).
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Soldabilidade: Pode ser soldado, mas requer técnicas específicas e boa ventilação devido aos fumos de zinco gerados (óxido de zinco), que são tóxicos se inalados (“febre dos fumos metálicos”).
4. Normas Técnicas:
A qualidade e as especificações do arame galvanizado são regidas por normas técnicas nacionais e internacionais. Algumas das mais relevantes:
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ABNT (Brasil):
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NBR 7008: Arame de aço de baixo carbono galvanizado por imersão a quente, para usos gerais. (Especifica requisitos de diâmetro, tolerâncias, propriedades mecânicas e camada de zinco).
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NBR 6331: Arame e arame revestido – Determinação da massa do revestimento por unidade de área – Método de ensaio. (Define como medir a camada de zinco).
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Outras NBRs podem ser aplicáveis dependendo do uso final (ex: para cercas, concreto protendido, etc.).
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ASTM (EUA):
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ASTM A641 / A641M: Standard Specification for Zinc–Coated (Galvanized) Carbon Steel Wire. (Principal norma americana, define classes de revestimento, propriedades, etc.).
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ASTM A90 / A90M: Standard Test Method for Weight [Mass] of Coating on Iron and Steel Articles with Zinc or Zinc-Alloy Coatings.
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ISO (Internacional):
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ISO 7989: Zinc coatings on steel wire.
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EN (Europa):
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EN 10244-2: Steel wire and wire products – Non-ferrous metallic coatings on steel wire – Part 2: Zinc or zinc alloy coatings.
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Estas normas especificam tipicamente:
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Tolerâncias dimensionais (diâmetro).
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Massa mínima do revestimento de zinco por unidade de área (g/m² ou oz/ft²), geralmente em classes (ex: Leve, Camada 1, Camada 2, Camada 3 ou A, B, C).
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Testes de aderência do revestimento (ex: teste de enrolamento).
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Propriedades mecânicas do arame base (limite de resistência à tração, alongamento).
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Composição química do zinco utilizado.
5. Pesos e Medidas:
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Designação: O arame é comumente designado pelo seu diâmetro nominal em milímetros (mm) ou por um número de bitola. No Brasil, a escala BWG (Birmingham Wire Gauge) é muito utilizada para arames de uso geral. É importante notar que quanto menor o número BWG, maior o diâmetro do arame.
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Exemplos (Aproximados):
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BWG 10 ≈ 3,40 mm
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BWG 12 ≈ 2,77 mm
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BWG 14 ≈ 2,11 mm
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BWG 16 ≈ 1,65 mm
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BWG 18 ≈ 1,24 mm
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Peso Linear (Massa por unidade de comprimento): Pode ser calculado usando a fórmula da área da seção transversal e a densidade do aço. A densidade do aço é aproximadamente 7,85 g/cm³ (ou 7850 kg/m ³). A camada de zinco tem densidade ligeiramente menor (~7,14 g/cm³), mas como é fina, usar a densidade do aço para cálculos aproximados é comum.
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Fórmula: Peso ( kg/m ) ≈ (π * [Diâmetro (mm)]² / 4) * 7,85 * 10⁻³
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Exemplo para BWG 16 (1,65 mm): Peso ≈ (3,1416 * (1,65)² / 4) * 7,85 * 10⁻³ ≈ 0,0168 kg/m (ou 16,8 g/m).
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Apresentação: Geralmente fornecido em rolos com pesos padronizados (ex: 1 kg, 5 kg, 50 kg, 100 kg) ou em rolos maiores (estocadores) para uso industrial (podendo chegar a mais de 1 tonelada).
Em suma, o Arame Galvanizado é um produto siderúrgico fundamental, resultado da combinação da resistência do aço com a proteção duradoura do zinco, obtido por processos controlados de trefilação e galvanização. Sua versatilidade o torna indispensável em inúmeras aplicações, da agricultura e construção civil à indústria em geral, sempre regido por normas que garantem sua qualidade e desempenho.